quarta-feira, 10 de agosto de 2011

III

Aquela manhã demorou muito a chegar. Assim como a noite anterior, não dormira quase nada, mas desta vez não houvera interferência da menina. Eram seus pensamentos.

Não havia a menor possibilidade de que ela fosse descendente da Richard Smithson pois, se o nome houvesse persistido por tanto tempo passando de geração em geração, não teria sido esquecido pela história.

Mas havia uma teoria realmente ridícula que não saía da mente astuta de Cort, só não era mais ridícula do que o fato de que mesmo sendo um absurdo não conseguia livrar sua cabeça dela.

Seria possível que o nome houvesse sido mantido por uma tradição oral e passado em histórias até que uma mãe desesperada e sem condições de criar sua filha resolveu lhe devolver o nome que era seu por direito de sangue? Então a levou para que tivesse uma vida mais digna, em Gilead?

Ridículo.

Mas, por que diabos fora a sua porta escolhida para deixar a cesta? A mãe que deserdou sabia do ofício de Cort e estaria sugerindo que ela devia ser criada como pistoleira?

Isso era plausível. Ridículo, porém plausível.

Mas havia ainda outra possibilidade, uma possibilidade que não o deixava de forma alguma mais confortável e estava baseada na presença – cada vez mais forte – de uma palavra de duas letras que dizia tudo sobre todas as coisas.

Ka.

Seria ka agindo e trazendo de volta um valioso punhado de sangue dos tempos de Arthur Eld?

Tinha realmente muito apreço por enigmas, adivinhações; mas por aquelas que se propunha a resolver nos Dias de Feira e não por aquelas que batiam à sua porta durante a noite.

Logo após iniciar seu dia, estava com o cavalo selado, pronto para resolver o problema, rumo à Debaria.

Durante todo o caminho que percorreu era como se um ímã gigante o puxasse de volta. O ka lhe falava por intermédio de sua consciência e não podia ignorar a influência de alguma força esquisita se até mesmo seu próprio cavalo parecia relutar em seguir em frente.

Estava mistificando.

Não poderia criar uma criança qualquer como a primeira mulher pistoleiro há história por que lera alguns livros e tivera uma intuição. Que o toque fosse para os diabos aquela altura de sua vida. Porém, mais do que qualquer coisa, não poderia deixar uma criança com sangue de pistoleiro ser criada como religiosa. Seria um erro terrível, e que os deuses tivessem pena de sua alma.

Não havia margem para este tipo de erro nos anos que a Confederação tinha pela frente; puxou bruscamente as rédeas e fez sua montaria virar em 180 graus, tomando de volta o caminho de Gilead, com o sol do meio da tarde a lhe queimar as faces. Então, pela primeira vez em sua vida, pronunciou as seguintes palavras sem antes derramar um pouco de sangue:

- Você venceu.