sexta-feira, 29 de julho de 2011

II

Naquela manhã daria um treinamento de tiro aos gusanos, rebentos dos pistoleiros, garotos dos quais teria de tirar o sangue para, quem sabe algum dia, virarem homens. Mas não podia simplesmente largar a criança em casa afinal, não fazia o tipo que cuidava de bebês, mas não a abandonaria sozinha.

Decidiu-se por levá-la ao castelo, onde alguma das criadas com certeza adoraria criá-la.

Pouco antes de iniciar suas tarefas, dirigiu-se ao castelo e entrou pela área de serviços, onde estariam os criados. Acabou por encontrar Hax, o cozinheiro alto que teria seu fim pendurado numa corda alguns anos mais tarde.

- Onde foram as mulheres? – Indagou ao entrar.

- Você sabe muito bem que a esta hora elas estão arrumando os aposentos das senhoras, Cort. – Respondeu o cozinheiro, sem tirar os olhos da massa que preparava.

Era verdade.

- E Madeline? – Insistiu.

- Faz o mesmo.

- Olhe. – Chamou Cort, sério, com a paciência escassa que tinha. – Deixaram isto à minha porta durante a noite. – Mostrou a cesta com a criança dentro, que destoava completamente de quem a levava. – Preciso que alguém fique com ela.

Hax olhou bem para a menina.

- Madeline não a criará. – Respondeu, por fim. – Ela cuida das crias das damas aqui do castelo, já trouxe duas netas para serem amas e sua filha acaba de dar à luz, há uma semana.

- Com os diabos! – Repetiu Cort. – Preciso deixá-la com alguém, pelo menos. Você poderia?

Pela primeira vez, Hax olhou-o nos olhos.

-Pode deixá-la aqui , sim. – Pensou. – Mas, se ao final do dia ninguém a quiser, peço à você que venha buscá-la, sai.

- De acordo. Muito obrigado, sai.


Durante todo o dia, apesar de suas incumbências, o nome Smithson martelou sua mente como um ferreiro em uma forja. Não tinha pretensão alguma de ficar com a criança, mas se pudesse encontrar a família correta, a devolveria.

Mas algo ainda soava estranho; devolvê-la a alguém que a abandonou? E o nome... Aquele nome...

Ao final da tarde, quando o sol tingia as copas dos pomares de maçãs de dourado, retornou ao castelo e encontrou o que temia, mas já esperava.

- Madeline a alimentou, trocou suas fraldas, mas não pode levá-la, Cort. – Explicou Hax, sem de fato se importar. – Eu sinto muito.

“Por que não a leva à Debaria?” Sugeriu. “Lá ela terá o ensinamento devido. É uma pequena bastarda, sem muito rumo na vida, não é?”

Cort pensou; realmente havia lógica naquilo que o cozinheiro dissera. Faria isso. Levaria a menina à Debaria, onde seria criada pela doutrina religiosa, a salvo do risco de tornar-se uma rameira qualquer.

- É uma boa idéia. – Admitiu. – Muito obrigado, sai, pelo auxílio. Que seus dias sejam longos sobre a terra.

- E que tenha tudo em dobro.

Encerrando as formalidades, retornou à sua casa, levando a cesta, uma cesta com um recheio muito mais desperto do que chegara. Um recheio que o impediu de dormiu por grande parte da noite.


Ao que lhe pareceu, a manhã chegou com velocidade espantosa. Sentiu vontade de enfiar um tiro no forte feixe de sol que banhou seu rosto coberto de cicatrizes e o acordou; quando se situou e percebeu que balas não o ajudariam em nada naquele momento, levantou-se e foi se lavar.

Após um rápido desjejum, estava pronto para levar a tal pequena Merry Smithson à Debaria, mas não iria sem antes eliminar uma dúvida, uma intuição que o perturbaria por um tempo considerável se resolvesse viajar antes.

O dia hoje era de Vannay, estava completamente livre para perder algumas horas na biblioteca dando uma boa examinada nos anais do baronato.

Passou um dia instrutivo lendo os relatos dos dias de glória passados. Estava quase se certificando de que não havia nada ali quando encontrou um volume grosso, quase se desfazendo, toscamente ilustrado e manuscrito, enfiado em um canto das grandes estantes de madeira escura.

Eram crônicas escritas na época em que Arthur Eld caminhou pelo mundo. Neste livro havia um homem, um homem chamado Richard Smithson, O Virtuoso. Nos relatos era descrito como um dos bravos homens que cavalgara ao lado do próprio Eld.

Mas a dúvida era: Por que um homem de tal valor fora esquecido pela História?

A resposta aguardava por ser lida mais abaixo; Richard Smithson perdeu sua amada esposa no parto do primeiro filho, que era uma menina. A razão de sua vida acabou. Nunca mais deitou-se com outra mulher e, portanto, morreu sem herdeiros.

O que seguiu-se a isto são boatos. A menina filha de Smithson casou-se com um homem sem importância e teve um casal de filhos. O rapaz tornou-se menestrel e teve uma criança bastarda com uma prostituta.

Sobre o que aconteceu depois, nem boatos existiam. Mas era possível que, mesmo gerações após o nome Smithson ter sido desgraçado e esquecido, seu sangue circulasse por Gilead.

Mas e o nome? De onde viera e como o nome permanecera? Seria possível?

Varreu os pensamentos de uma vez, aquilo já havia ido longe demais. No dia seguinte levaria a menina à Debaria, enfim, perdera a noção do tempo em meio aos livros e ficara tarde para tomar a estrada.

Pegou a cesta com Madeline na cozinha e retornou à sua casa.

- Muito bem, gusana. – Disse ele, sem expressão na voz. – Sangue de Richard Smithson ou não, seus dias em Gilead acabaram.

O simples fato de tê-la chamado como a chamou, gusana, selou seu destino para sempre.

3 comentários:

  1. \õ/...Mto cool... Gostei muito da linguagem utilizada... as postagens serão diárias?...

    Ps: Cort em uma biblioteca é uma cena deveras grotesca de se imaginar XD....

    www.machadodeeugenio.blogspot.com

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  2. Smithson é um nome q cm ctz não sairá de minha cabeça até q eu saiba quem é/era o pai desta menininha! Amei isto aqui, Mel, parabéns, vc tem futuro e ainda qro comprar um livro seu ;*

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  3. Realmente, Cort cuidando de um bebê e visitando uma biblioteca não é muito "normal" kkkkkkkkkkkk...esse lado "cômico" da história está muito bem trabalhado. Será que ainda teremos uma aparição de Marten Broadcloak, ou só RF pros mais próximos? Aguardo a continuação.

    P.S: Polly Milani, eu também ainda quero comprar um livro da Mel e concordo contigo sobre o talento dela para escrever...mas o meu quero com um autografo =P

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