segunda-feira, 14 de maio de 2012

IX

- Merry, esta é Aileen. – Cort apresentou. Ao entrar na residência do homemtreinador, se viu parada diante de uma garota de sua estatura, muito magra, com cabelos escuros e cheios cortados à altura dos ombros e olhos pequenos. – Minha sobrinha, que vai morar comigo, de hoje em diante.
- Merry Allice, prazer. – Ela cumprimentou sorrindo, mas na verdade estava com ciúmes.
- Vou ensiná-la o mesmo que a você. – Disse Cort. – E você deverá ajudá-la.
- Ela vai ser uma pistoleira, também? – Questionou, com uma voz inconscientemente inconformada.
A garota de cabelos pretos ergueu os olhos e encarou-a com intensidade quando a palavra pistoleira soou pelo aposento.
- Não vai, não. – Disse Cort. - E nem você. Eu te ensino por que acho que devo, e vou ensinar Aileen por que ela não tem mais família e precisa saber se defender. Os dias estão complicados, gusana. E não faça perguntas.
“Você vai ajudá-la em tudo o que deve aprender, entendido?”
Relutante, Merry Smithson assentiu longamente.
- Como quiser, sai.

...

Algum tempo se passou desde aquela prova que teve na frente dos garotos. De fato, atirava desde antes deles, Cort se encarregara de ensiná-la particularmente. Mas Merry Smithson estava se sentindo feita de idiota. Ela ouvira nitidamente as palavras “não, você não pode.” Depois ele a ensinou a atirar. O que ele queria?
Mas Cort não se sentia muito melhor. Sua consciência sabia que ele falara para Steven Deschain que não treinaria a garota, somente para que ele não vetasse sua estada em Gilead, mas no fundo falava e agia como representante do Ka. O que poderia ele, então?
O Dihn, pai de Roland, estranhara um pouco, mas por fim consentira que Merry Allice, algumas vezes, fosse ao gramado atirar com os garotos. Não era uma coisa que acontecia sempre e, quando acontecia, tinha que ser daquele jeito desastroso.
E ainda por cima, seu colega não queria mais conversa com ela. Nem teve tempo de apreciar o sucesso, de sentir orgulho de si mesma. Preferia nunca ter acertado o crânio, e ainda ter a amizade de Cuthbert.
A origem disso tudo estava no fato de que sempre se considerou uma peça meio errada no jogo, uma peça que não devia estar jogando ou que, pelo menos, jogasse na posição certa.
E mulheres eram assim. Sempre preocupadas com a felicidade alheia.
Mulheres eram assim, com ou sem armas nas mãos.
Ainda não conseguira sair de uma aula de tiro sem que seus ombros doessem por causa do tranco dos disparos e da força que usava para contê-lo e manter o revólver certeiro. Mas estava indo muito bem.
Muito bem.
O ciúme de Merry passou rapidamente, pois crianças tão pequenas esquecem as coisas com facilidade, na eminência de brincar. Fez amizade com Aileen, e a aceitou como uma irmã. Tinha dois irmãos, agora.
A sobrinha de Cort aprendeu a atirar com uma facilidade espantosa; talvez o fato de ver Merry tão habilidosa tenha despertado nela o desejo de se equiparar, talvez tenha sido a vontade de impressionar o tio. No fundo, e somente sua irmã sabia, ela tinha o desejo tomar o cajado de Cort e receber os revólveres. Mas o desejo era genuíno; não como Merry, que acabaria sendo por conta do Ka.

...

- Como é ser filha de um pistoleiro de verdade? – Perguntou Aileen, um dia pela manhã, enquanto estavam paradas ao lado de uma cerca que dividia os gramados, observando os garotos de longe.
- Sei lá. – Nunca tinha pensado nisso. – Acho que se eu fosse uma pessoa normal seria diferente. Eu teria aprendido a bordar, acho. E talvez estivessem acertando para que eu casasse com algum deles. – Ela apontou para os gusanos ao longe.
Aileen, que estava sentada sobre a cerca olhou.
- Acho que eu casarei com Roland...
Merry a encarou.
- Sério? Como você sabe?
- Ouvi tio Cort conversando com alguém. Talvez fosse o próprio... – Ela pensou. – Pai dele. - E fez com a cabeça na direção de Roland.
- Nossa. – Surpreendeu-se a garota de cabelos claros. – Você vai ser esposa do Dihn...
Aileen esboçou um sorrisinho tímido, porém triste.
- Acho que sim...
Merry Allice ficou olhando para a amiga, e começou a sorrir também.
- Acho que você é bem a favor, né? – Perguntou.
- Ah... Até sou... – Respondeu. – Eu gosto bastante do Roland... Mas eu não sei se quero ser uma daquelas mulheres da corte que usam vestidos e passam o dia inteiro penteando os cabelos.
Merry riu e pensou. Tinham desejos diferentes, e futuros diferentes. Aileen queria crescer e lutar, mas teria que se casar com Roland Deschain, filho de Steven Deschain, Dihn de Gilead. Já ela própria queria ter a certeza de ter um futuro. Queria ser pistoleira como o irmão, mas já sabia que não deixariam que fosse. Mas não ia casar, tampouco, pois não era uma garota dessas que casam.
Olhou para os garotos mais à frente, quando o som de um disparo chamou sua atenção, e ficou a observar. Como eles eram bobos, todos eles. Principalmente o dos cabelos compridos. Como tinha vontade de puxá-los com força.
- Mas seu pai nunca falou nada sobre isso com sua mãe, ou com alguém? – Perguntou Aileen, trazendo-a de volta à cerca. – Sobre casar?
- Ah, não... – Merry pareceu sem-graça.
- Por que, veja – continuou Aileen, - tem muitos garotos da nossa idade ainda. Alain é seu irmão, e Roland possivelmente já está ‘comprometido’, mas ainda tem Jamie... Ou Cuthbert.
- Ah, não! Muito obrigada! – Disse Merry. – Jamie ainda vá lá, mesmo com aquele negócio no rosto, mas Cuthbert, não.
- Por que não? – Perguntou. – Ele é bonitinho.
Merry olhou para o gramado adiante, e sentiu raiva de Aileen. A amiga percebeu vendo sua expressão mudar, tanto que não falou mais.
- Desculpe.
- Tudo bem.

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